[an error occurred while processing this directive] O português no inglês | Revista Língua Portuguesa
      
  



LAUAND, Jean . O português no inglês. Língua Portuguesa, v. 47,  setmbro de 2009, p. 20-23, 2009.

O português no inglês
A nova versão eletrônica do Oxford English Dictionary traz a contribuição de palavras da língua portuguesa ao idioma dos britânicos

Jean Lauand

Caipirinha para inglês: a palavra é um dos novos verbetes no dicionário Oxford, ao lado de "feijoada","lambada" e "umbanda"

Em julho foi lançada a versão 4.0 em CD-ROM do Oxford English Dictionary, com o significado, história e pronúncia de mais de meio milhão de palavras. O OED rastreia o uso dos verbetes nas diversas fontes internacionais do inglês: são mais de dois milhões e meio de citações, que vão da literatura clássica a roteiros de filmes; de especialistas a livros de cozinha. A versão 3.0 tinha sido lançada em 2002.

Um exercício interessante para o estudioso da linguagem (e para o sociólogo) é o de verificar os verbetes importados ou procedentes do português, que foram incorporados ao OED - como addition ou como inclusão provisória, draft entry - nestes últimos sete anos.

Geralmente, a importação de uma palavra dá-se quando a língua local recebe uma realidade nova, vinda de uma outra cultura (ou fortemente marcada por ela); novidade para a qual os falantes locais não estavam preparados linguisticamente.

Se hoje o futebol é paixão nacional para os brasileiros, os mais velhos ainda são do tempo em que muito do seu léxico era importado ou diretamente adaptado da língua dos fundadores: desde o próprio nome foot-ball, até como se dizia antigamente, corner (escanteio), goal-keeper (goleiro), beque (imitando back)... e, ainda hoje, mal reparamos que pênalti é, afinal, penalty e gol é goal.

O mesmo se dá com os usos (e abusos) da linguagem da informática "clicar o botão direito do mouse" (em Portugal, mais purista, "carregar com o botão direito do rato"), "fazer download" etc.

Naturalmente, há outros fatores, do pedantismo ao eufemismo, mais ou menos legítimos, para além da existência de adequado equivalente nacional: a padaria, bem periferia, em Santana do Parnaíba é "Parnaiba's Center"; e todo mundo prefere dizer "soutien" do que "ampara seios"; no restaurante perguntamos pela "toilette" em vez de mictório... E, assim, na culinária, nas artes, na moda, na tecnologia etc. vamos importando palavras, buscando o diferencial de expressividade que têm na língua original. Talyb é, no dicionário, aquele que estuda e seu plural é Talyban; mas talibã envolve algo mais do que estudo de livros...

Pique nacional
Para efeitos de estrangeirismos, a influência do inglês é dominante no âmbito da tecnologia; e muito do francês, no do charme (não por acaso, uma palavra francesa); quais as palavras brasileiras que foram introduzidas nesta nova edição do OED?

Muito poucas. As que começam a invadir a realidade dos países falantes do inglês, ou porque são notícia ou objeto de estudo por lá. Como additions, entraram verbetes como "várzea", terreno plano sujeito a inundações periódicas - In Brazil, (an area of) low-lying, flat land which is subject to periodical flooding - e a tribo "urubu"; mas, mais significativas são: feijoada e feijão; garimpeiro, lambada, umbanda e umbandista; e a tribo yanomamo (a do massacre...).

Na parte de citações do OED, encontramos, por exemplo, que meio milhão de umbandistas foram a uma celebração na praia, ou que embora eu esteja calmo, meus nervos estão como numa lambada:

1977 Times 24 Nov.  Half a million umbandistas were on the beach that day.

1993 Coloradoan Fort Collins 28 Mar. I'm trying to act and sound calm but my nerves are doing the lambada.

Há uma dúzia de principais entradas experimentais (draft entry): ebene (pó psicoativo empregado em rituais yanomami), açaí, capoeira e capoeirista, cavaquinho, farofa, telenovela, caipirinha e caipiroska, cachaça, candomblé, churrasco e churrascaria.

Na verdade, a capoeira, as churrascarias, telenovelas e caipirinhas parecem ser realidades não provisórias e que foram para ficar, conquistas culturais que tendem a se expandir e arraigar no exterior.

Tanque
No campo das não novidades, o OED, desde edições anteriores, traz interessantes casos de palavras do português que se arraigaram internacionalmente. Alguns exemplos:
- Fetiche (fetish) (a. F. fétiche, ad. Pg. feitiço n. charm, sorcery (from which the earliest Eng. forms are directly adopted). (Originário dos objetos usados pelos negros da costa da Guiné para fins de encantamento).

- Massagem (massage) (It is perh. a. Pg. amassar to knead, f. massa dough (= mass n.2).)

- Tanque (de guerra), para não revelar o segredo militar, ao fazer os primeiros tanques (de guerra), os construtores diziam ser tanques (de água) (Tank n. 7 [Special use of tank n.1 adopted in Dec. 1915 for purposes of secrecy during manufacture.] Tank n. 1.others think that they are all derived from Pg. tanque pond = Sp. estanque, F. étang:-L. stagnum pond, pool, with which at least the Indian words were identified by the Portuguese).

- Comando (commando) grupo militar autônomo para missões rápidas: a palavra aplicou-se às expedições portuguesas na África do Sul [a. Pg. commando 'command, party commanded', f. stem of commandar to command.] 1.a. A party commanded or called out for military purposes; an expedition or raid: a word applied in South Africa to quasi-military expeditions of the Portuguese or the Dutch Boers (esp. the latter) against the natives.

- Jaguar - Palavra tupi-guarani para diversos carnívoros, do cão à onça [a. Tupi-Guarani yaguara, jaguara. According to writers on Tupi-Guarani, jaguara or jagua is orig. a class-name for all carnivorous beasts, including the tiger (i.e. jaguar), the puma, etc.

Direto das selvas
Como "jaguar", outras palavras fizeram carreira, oriundas das selvas brasileiras, como lembra Sérgio Correia da Costa, em Palavras Sem Fronteiras (Record, 2000):

- Catinga - Do guarani kati (cheiro pesado) e de seu derivado ykatyngaí (fede mal). Deu nome a europeus que só tiravam a roupa, para asseio, em último caso. No espanhol desde 1889, como "cheiro desagradável de animais e plantas".

- Crioulo - Nomeava o branco nascido nas colônias americanas, derivado de "criar" + sufixo "oulo" português, para quem a palavra discriminava o escravo nascido na casa de seu senhor. O termo foi parar na Espanha como criollo em 1590.

- Inhame - Na versão Ñame em espanhol, resultado dos contatos de portugueses e bantus (nham é onomatopeia do ato de comer).

- Guaraná - Usado na língua inglesa, mas sem acento.

- Ananás, caju e mandioca (ou manioc) - Usados no francês.

- Pirarucu, piranha - Observados junto a franceses e a ingleses.

Jean Lauand é professor titular da Faculdade de Educação da USP

- A marcha das palavras
- A palavra cantada
- O esperanto ainda respira
- Teatro das arábias


 
 
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